quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Amigos de infância

Há algumas semanas, minha mãe chegou em casa bastante cabisbaixa e pensativa. Eu logo estranhei, pois temos uma relação muito sadia. Convivemos nessa casa transpirando o riso e, vez ou outra, rola um stress, mas nunca a indiferença. Perguntei o porquê daquela angústia e, ao olhar para mim com olhos tristes e vagos, ela respondeu: “Minha filha, hoje eu cumpri uma tarefa muito difícil, fui visitar uma amiga de infância que estudou comigo no colégio e agora está à beira da morte. Ela é tão nova, era tão cheia de vida...”

No mesmo instante em que ouvi aquelas palavras, senti uma pontada forte no peito e uma tristeza amarga invadiu meu âmago. Pensei, só por um segundo, o que eu sentiria ao ver um amigo de infância partindo assim, deixando rastros, dizendo um adeus prematuro.

Amizades de infância são tão lindas, tão puras, tão sinceras, que é impossível não sentir saudade. São elas que estão do nosso lado quando descobrimos os prazeres da vida, quando sofremos perdas, quando simplesmente queremos brincar. Sinto falta de todos os amigos dos meus tempos de criança e, não que eu queria voltar atrás, mas foram anos muito felizes da minha vida. Muitas dessas pessoas continuam por perto, algumas com maior intensidade, outras com menos. Mas, o que realmente importa é que cada um deixou marcas de sua presença em minha memória.

Lembro dos que tocaram a campainha dos vizinhos comigo, aqueles com quem eu passei finais de semana em seus sítios, aqueles para quem eu telefonava quase todo dia, uma que assistiu à minha grande queda de patinete e tomava banho de piscina de roupas, outros que vinham brincar a tarde toda na minha casa, os que invadiam as casas alheias para roubar acerola, aquelas que adoravam a barbie tanto quanto eu, alguns que sempre estavam em meus aniversários mas eu tinha pouco contato, uns que brincavam de pega-pega e esconde-esconde na pracinha e me deixavam sempre no papel de “café com leite”.

Me dói pensar que um dia eu tenha que me despedir de qualquer um desses amigos da forma como minha mãe foi impelida a fazer. Sua amiga tinha um câncer que já havia se espalhado por quase todo o corpo, e ela estava em fase terminal. Deixou o hospital, foi para casa e estava apenas esperando a sua hora. E cinco dias antes de essa hora chegar, minha mãe foi visitá-la. Voltou muito triste, e não podia ser diferente.

Um riso perdido, a inocência das brigas bobas, a vontade constante de brincar, o amor pela natureza, o colorido surreal. Tudo isso remete à minha infância. Os meus amigos que lá estavam foram peças fundamentais nesse equilíbrio de forças entre razão e emoção. A nossa vida pode ser da cor que a gente pinta, e eu faço dos meus amigos os pincéis para pincelar a minha história, a qual eu chamo de fábula. Talvez breve, mas deliciosamente intensa.

H.B.C.

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